Professor Doutor Miguel de Azevedo Moura
Por motivos relacionados com esta nova pandemia – cujo nome já estamos todos cansados de enunciar –, seja devido a quarentena preventiva, quarentena compulsiva ou estado de emergência, os portugueses enfrentam uma fase excecional e irrepetível das suas vidas, encontrando-se espacialmente limitados, em regra, à sua residência habitual. Este confinamento espacial, aliado ao isolamento externo, pode resultar em situações de tensão pessoal, familiar e social, com evidentes implicações jurídicas.
Devemos ter bastante cautela na forma como, neste período especial, olhamos para as relações de vizinhança e de coabitação. Pense-se no caso do profissional de saúde que faz turnos noturnos e descansa durante o dia, e que vive à frente de um músico que foi especialmente contratado pelo Governo para, durante o dia e em sua casa, entreter e motivar as forças policiais e militares; pense-se no caso de uma cientista portuguesa que está, remotamente, a auxiliar uma equipa de cientistas chineses no encontro da cura para a pandemia, trabalhando à noite, mas que mora em baixo de uma professora de educação física que faz múltiplas sessões on-line diárias a lares de idosos e que, por sua vez, mora ao lado de uma enfermeira da Linha de Saúde 24, e de uma mãe que vive sozinha com um bebé e que apenas consegue trabalhar na altura em que este dorme…
Os direitos à integridade física e psicológica, incluindo a saúde, o descanso, o repouso, mas também a sanidade mental e o próprio direito de convívio social – ainda que por meios digitais –, são salvaguardados pelo ordenamento jurídico português através da tutela geral dos direitos de personalidade (cfr. artigo 70.º do Código Civil, sem prejuízo de outros direitos de personalidade especialmente tipificados), alguns dos quais com proteção constitucional (cfr., artigos 24.º e ss. da Constituição da República Portuguesa). Assistiremos, naturalmente, a situações conflituantes entre direitos de personalidade, ou entre estes direitos e outros deveres. Institutos do direito civil como a figura do “abuso de direito” ou a “colisão de direitos” (respetivamente, artigos 334.º e 335.º do Código Civil) poderão ajudar a resolver situações potencialmente litigiosas, mas deverão ser interpretados (ou “ajustados”) à luz das circunstâncias excecionais que vivemos.
Neste contexto, o ordenamento jurídico é bastante flexível e maleável em adequar a norma à factualidade, promovendo uma solução justa e equitativa, quer através daqueles institutos, quer através dos princípios gerais de Direito. Mas o que realmente importa reter é que são (i) a “compreensão”, (ii) a “cooperação”, e sobretudo (iii) o “bom senso”, os princípios orientadores que nos devem guiar nesta fase que, felizmente, será efémera.