Professora Doutora Bárbara Sousa Brito
A punição criminal da desobediência, num contexto de normalidade:
Nos termos do artigo 348º, nº 1, do Código Penal, comete um crime de desobediência, punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, quem “faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente”, se “uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples” ou “na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação”.
Assim e em suma, em geral o desrespeito por ordens ou mandados legítimos das forças de segurança já pode consubstanciar a prática de um crime de desobediência, sendo, no entanto, necessário, para que tal aconteça, que essa ordem seja acompanhada da cominação de que o seu não acatamento configura a prática de um crime de desobediência ou que exista prévia disposição legal que expressamente comine, nessa situação, o não acatamento da ordem, mandado ou determinação como crime de desobediência.
A punição criminal da desobediência, no atual contexto de estado de emergência:
Através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, foi decretado o estado de emergência em todo o território nacional, para vigorar entre as 00:00 do dia 22 de Março e as 23:59 do dia 2 de Abril. Nessa sequência foi posteriormente aprovado pelo Governo o Decreto nº 2-A/2020, de 20 de março, que procedeu à regulamentação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República, nos termos do qual (cf. Artigo 2º, nº 1) “ficam em confinamento obrigatório, em estabelecimento de saúde ou no respetivo domicílio, os docentes com COVID 19 e os infetados com SARS – Cov 2”, bem como “os cidadãos relativamente a quem a autoridade de saúde ou os profissionais de saúde tenham determinado a vigilância ativa”. A violação deste dever de confinamento obrigatório constitui, nos termos do nº 2, crime de desobediência, punível, nos ternos do artigo 348º, nº 1, do Código Penal, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
Estabelece-se, ainda, na alínea b), do nº 1, do artigo 32º, do mesmo Decreto do Governo, que “compete às forças e serviços de segurança fiscalizar o cumprimento do disposto no presente decreto, mediante (…) a emanação das ordens legítimas, nos termos do presente decreto, a cominação e a participação por crime de desobediência, nos termos e para os efeitos do artigo 348.º do Código Penal, por violação do disposto nos artigos 7.º a 9.º do presente decreto e do confinamento obrigatório de quem a ele esteja sujeito”. Significa isto que também o não acatamento de ordens legítimas das forças de segurança para o cumprimento dos deveres previstos no artigo 7º (dever de encerramento de instalações e estabelecimentos), no artigo 8º (dever de suspensão de atividades no âmbito do comércio a retalho) e no artigo 9º (dever de suspensão de atividades no âmbito da prestação de serviços), quando acompanhado da respetiva cominação (i.e., da indicação de que o não acatamento da ordem constitui um crime de desobediência), constitui um crime de desobediência nos termos do mesmo artigo 348º do Código Penal.
Acresce, finalmente, que, nos termos do artigo 34º do mesmo Decreto do Governo, o disposto naquele diploma “não prejudica as medidas já adotadas, no âmbito do estado de alerta ou do estado de calamidade declarado para o concelho de Ovar (…)”, pelo que, tendo já antes sido determinado o estado de alerta e ativado pelo Ministro da Administração Interna, até ao dia 9 de Abril, o artigo 6º da Lei de Bases da Proteção Civil, nos termos do qual “a desobediência e a resistência às ordens legítimas das entidades competentes, quando praticadas em situação de alerta, contingência ou calamidade, são sancionadas nos termos da lei penal e as respetivas penas são sempre agravadas em um terço, nos seus limites mínimo e máximo”, parece ser de concluir que quem, até ao dia 9 de abril, viole uma determinação de uma entidade competente feita no âmbito do estado de alerta (ou do estado de emergência) declarado para fazer face à Covid-19 pode incorrer na prática de um crime de desobediência com a moldura penal agravada em um terço.