Professor Doutor José João Abrantes

Muitas das medidas excepcionais e temporárias ditadas pela conjuntura provocada pelo COVID-19, tendo em vista impor a permanência das pessoas em casa e o isolamento social, com o fim de evitar o contágio, afectam direitos laborais. Assim, por exemplo: equiparou-se o isolamento profilático a doença; considerou-se como justificada a falta dada pela necessidade de acompanhar neto ou filho sujeito a isolamento profilático ou para acompanhar filhos ou outros menores dependentes até 12 anos, cujas atividades letivas tenham sido suspensas; o teletrabalho, quando compatível com as funções desempenhadas, passou a ser obrigatório; todas as atividades económicas tidas por não essenciais foram suspensas, tendo sido disponibilizado um conjunto de apoios para as empresas obrigadas a encerrar ou em crise empresarial provocada pelas repercussões económicas da pandemia.

Entre esses apoios, encontra-se a possibilidade de recurso a um lay-off simplicado, medida que, tendo em vista a manutenção dos postos de trabalho e o mitigar de situações de crise empresarial, confere ao empregador a faculdade de reduzir temporariamente os períodos normais de trabalho ou suspender os contratos de trabalho, ficando o trabalhador com direito a receber uma compensação retributiva correspondente a 2/3 da remuneração normal ilíquida correspondente ao seu período normal de trabalho ou, se mais elevado, ao valor da RMG (635,00 €), não podendo em caso algum ultrapassar três RMG (1.905,00 €); a Segurança Social suporta 70% do valor dessa compensação retributiva e a entidade empregadora apenas 30%.

O lay-off tem como pressuposto de aplicação uma situação de crise empresarial, conceito que, em nosso entender, deverá ser reportado, tal como no regime do Código do Trabalho, a situações “que tenham afetado gravemente a atividade normal da empresa” e em que esteja em causa “assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho”. Essa é a única interpretação capaz de assegurar que não sejam frustrados os objectivos do legislador ao criar a figura deste lay-off simplificado, no sentido de arranjar uma alternativa aos despedimentos, dando às empresas uma espécie de um balão de oxigénio que lhes irá permitir que, paralisando total ou parcialmente a sua atividade, não lancem os trabalhadores no desemprego, antes apostem nesta alternativa, em que o trabalhador perde 1/3 do salário, sendo que, dos restantes 2/3, apenas 30% serão suportados pelo empregador, cabendo a parte de leão dos custos à Segurança Social. É, de facto, imperioso que não se frustrem esses objectivos do lay-off (até porque, sobretudo nestes tempos difíceis por que passamos, o dinheiro público deve ser, mais do que nunca, bem utilizado e todos têm de fazer sacrifícios).

Daí decorre igualmente que as medidas de contenção e prevenção do Covid-19 devam vir acompanhadas de medidas que reforcem a fiscalização do cumprimento das leis laborais, garantindo a manutenção dos postos de trabalho e os rendimentos dos trabalhadores.

É nesta mesma lógica que também se compreende que a lei, concedendo apoios extraordinários às empresas, preveja que, durante o período de aplicação dessas medidas, bem como nos 60 dias seguintes, o empregador não possa fazer cessar contratos de trabalho através de despedimentos coletivos ou extinção de posto de trabalho  e que o incumprimento pelo empregador das obrigações relativas a esses apoios implique a imediata cessação dos mesmos e a restituição dos montantes já recebidos, quando se verifique, entre outras situações, a de despedimento, excepto por facto imputável ao trabalhador.

Contudo, o diploma podia – e devia – ter ido mais longe. Com efeito, não suspende o decurso do prazo de caducidade dos contratos de trabalho a termo ou temporário, nem impede a denúncia do contrato durante o período experimental, não deixa de fora das medidas de apoio os empregadores que, logo no início da crise, tenham procedido a despedimentos, sob a motivação dessa crise e dos seus efeitos, em muitos casos de forma ilícita (por exemplo, sem respeito dos procedimentos prescritos ou das compensações devidas) e, por outro lado, a proibição de despedir aparece balizada no tempo, pelo que, mais tarde, esgotados os 60 dias, nada na lei parece impedir o empregador de recorrer aos mecanismos de cessação da relação laboral. De jure condendo, entendemos que o legislador deveria ter sido mais exigente, proibindo as empresas que beneficiem destes apoios de proceder a despedimentos. A verdade é que a lei concede direitos e apoios, sobretudo, aos empregadores, e só reflexamente aos trabalhadores. Isso só faz sentido se a esses empregadores, que obtêm apoios públicos extraordinários de vária índole, for exigido um esforço no sentido de não reduzirem custos mediante a redução de mão-de-obra e o sacrifício dos seus trabalhadores.

Relacionado com esta questão, chame-se a atenção para o artigo 24.º do Decreto n.º 2-B/2020, de 2.04, que veio dar à ACT um novo poder, o de paralisar, ainda que transitoriamente, os efeitos de um despedimento que revele fortes indícios de ilicitude. É uma medida importante, para combater despedimentos manifestamente ilícitos (despedimentos sem o menor respeito pelas mais básicas regras procedimentais, sem aviso prévio, sem pagamento das compensações devidas, sem formalização escrita, etc.) que possam ter acontecido ou aconteçam depois da eclosão da crise.

Uma última nota, sobre o futuro após esta crise e lições que nos parece importante que sejam tiradas. Em primeiro lugar, haverá que lutar contra aquelas teses que, à semelhança do que já aconteceu no passado, com outras crises, tentarão fazer um aproveitamento desta, vista por elas como uma oportunidade para retirar direitos sociais e proceder a um “ajuste de contas” com as conquistas dos trabalhadores ao longo das últimas décadas.

A verdade é que um dos resultados mais marcantes do processo de globalização económica foi o incremento da chamada flexibilização laboral, um eufemismo por detrás do qual se esconde a acentuação, cada vez maior, dos níveis de desigualdade social, reflectida em precariedade, baixos salários, desregulação dos horários de trabalho, mobilidade, etc., num modelo que assenta na lógica de que é preciso diminuir os custos laborais e os direitos dos trabalhadores.

Ora, é preciso combater essas ideias que sustentam que, em última análise, o melhor seria não haver direito do trabalho, ideias que veem o trabalho como um custo e não o concebem a não ser como uma mercadoria, reduzindo, por isso, este ramo do direito a um mero instrumento de gestão. Nestes tempos de ultraliberalismo, é preciso, de facto, afirmar que há valores cuja prossecução não pode ser confiada ao mercado e que o primeiro desses valores, o princípio fundador de qualquer sociedade, é a dignidade da pessoa humana, a dignidade que cada ser humano, pelo simples facto de o ser, possui. A “luta pelo Direito”, na expressão de Ihering, tem hoje, num momento em que os imperativos económicos procuram questionar muitos dos dogmas tradicionais da disciplina, um campo de eleição na área juslaboral, onde cada vez mais se sentem como necessárias a acentuação da sua raiz antropocêntrica e da garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana como questão central, a qual não poderá em caso algum deixar de prevalecer sobre outros valores, como a rentabilidade e a racionalidade económicas.

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