Professora Doutora Vera Eiró
No passado dia 13 de março, foi publicado o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, no qual se consagram medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID 19.
Estas medidas incluem diversas matérias de relevo para todos os cidadãos, cidadãs e agentes económicos e entraram em vigor no dia 14 de março, produzindo efeitos a partir do dia de aprovação, que é o dia 12 de março, com exceção do disposto nos artigos 14.º a 16.º, que produz efeitos desde 9 de março de 2020, e do disposto no capítulo VIII, que produz efeitos desde 3 de março de 2020.
As medidas em matéria de contratação pública aplicam-se desde dia 12 de março.
Todas as medidas excecionais aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 10-A/2020 foram ratificadas pela Assembleia da República, através da aprovação da Lei n.º 1-A/2020, que foi publicada no dia 19 de março e com efeitos retroativos a dia 12 de março, no que diz respeito às medidas em matéria de contratação pública.
A intervenção legislativa da Assembleia da República incluiu também a aprovação de algumas medidas extraordinárias que complementam as anteriores, em matéria de reuniões de órgãos colegiais do poder local, de prazo para a prestação de contas ao Tribunal de Contas no âmbito do regime de fiscalização sucessiva, bem como isenções em matéria de visto prévio e regras sobre a suspensão de prazos e diligências de natureza judicial ou equiparada.
No dia 24 de março, foi publicado o Decreto-Lei n.º 10-E/2020 que estabeleceu exceções adicionais ao regime de autorização de despesa para resposta à pandemia da doença COVID -19 e procedeu à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020.
No dia 6 de abril, foi publicada a Lei n.º 4-A/2020 que procedeu à primeira alteração à Lei n.º 1- A/2020 e à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020. São diversas as normas legais que têm vindo a ser aprovadas para os mais diferentes setores. Novos tempos, situações excecionais que reclama um enquadramento legislativo novo que habilite as entidades públicas a atuarem, no respaldo da lei, mas de forma adequada às situações que têm agora, de forma temporária, de enfrentar,
A contratação pública não é exceção. O Governo e a Assembleia da República aprovaram regras excecionais que permitem às entidades adjudicantes adquirir bens e serviços – para fins determinados e que se prendem com a atual crise do COVID 19 – de forma mais rápida e ágil.
Seguem infra, algumas novidades (escolhemos apenas as principais). O que se escreve resulta também do trabalho de atualização do Guia das Entidades Adjudicantes da Linklaters LLP que fizemos em conjunto com a equipa de Direito Público da Linklaters LLP em Lisboa.
1 Existem medidas excecionais de contratação pública e de autorização de despesa aplicáveis ao contexto COVID-19?
Sim.
O Decreto-Lei n.º 10-A/2020 veio consagrar medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID 19 e aplica-se às medidas que impliquem a prevenção, contenção, mitigação e tratamento de infeção epidemiológica por COVID-19, bem como à reposição da normalidade em sequência da mesma.
Algumas destas medidas implicarão a contratação de empreitadas, bens e serviços.
Considerando a urgência das contratações que poderão estar em causa, o Decreto-Lei n.º 10-
A/2020 inclui algumas normas (em particular os artigos 2.º, 3.º e 4.º que integram o Capítulo II) que consubstanciam um regime excecional de contratação pública e de autorização de despesa.
Este regime haverá de prevalecer em face do atualmente em vigor incluindo-se, mas não se limitando, o Código dos Contratos Públicos e, em matéria de autorização de despesa, ao previsto, entre outros, na Lei de Enquadramento Orçamental e no regime jurídico de realização de despesas públicas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de junho.
A Lei n.º 1-A/2020 determinou que as respetivas disposições, bem como as do Decreto-Lei n.º 10A/2020, prevalecem sobre todas as outras normas legais, gerais e especiais, que disponham em sentido contrário, designadamente as constantes da lei do Orçamento do Estado. Deste modo evitam-se dúvidas sobre eventuais situações de conflito entre as regras excecionais aprovadas por estes diplomas e as incluídas noutros instrumentos normativos, conferindo a todos maior segurança jurídica na respetiva aplicação.
Estas medidas excecionais procuram responder a exigências de um momento (o da situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID 19 e subsequente Estado de Emergência) que se verifica atualmente e que ninguém sabe quando haverá de terminar.
Por essa razão, nem o Decreto-Lei n.º 10-A/2020 nem a Lei n.º 1-A/2020 estabelecem um período temporal delimitado durante o qual as medidas excecionais que consagra irão aplicar-se.
2 Para fazer face à situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID 19, poder ser adotado o procedimento de ajuste direto, independentemente do valor, para celebrar contratos de empreitada de obras públicas, de contratos de locação ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços?
Depende.
Nesta matéria não há propriamente um regime excecional consagrado no Decreto-Lei n.º 10-A/2020 em face do atualmente consagrado no Código dos Contratos Públicos.
Com efeito, o que resulta deste diploma é tão só que se considera que a situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID 19 é um acontecimento imprevisível pela entidade adjudicante.
Esclarece, por isso, o diploma que as entidades adjudicantes poderão celebrar contratos em resultado de procedimentos de ajuste direto, na medida em que esses contratos sejam estritamente necessários e por motivos de urgência imperiosa para a prevenção, contenção, mitigação e tratamento de infeção epidemiológica por COVID-19, bem como à reposição da normalidade em sequência da mesma.
O diploma faz, inclusivamente, a remissão para o regime que era já aplicável sem que existissem estas medidas excecionais e que é o que resulta do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea c) do Código dos Contratos Públicos.
Por isso, e em suma, pode-se adotar o procedimento de ajuste direto, independentemente do valor do contrato, se o contrato em causa se revelar estritamente necessário e justificado por um motivo de urgência imperiosa. A decisão de contratar deve, por isso, acomodar o estabelecido no artigo
24.º, n.º 1, alínea c) do Código dos Contratos Públicos.
3 Podem as entidades adjudicantes receber o bem ou beneficiar do serviço antes de o contrato ser celebrado?
Sim.
O Decreto-Lei n.º 10-A/2020 configura a situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID 19 como uma situação não imputável à entidade adjudicante e que pode determinar a necessidade de respostas urgentes.
A rapidez da intervenção, quando justificada, é a teleologia deste regime excecional de contratação pública e, por essa razão, permite-se que, após o ato de adjudicação, os contratos celebrados ao abrigo do regime excecional e na sequência de procedimento de ajuste direto, possam produzir todos os seus efeitos.
Esta será, porventura, a alteração mais significativa introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10-A/2020 àquele que seria o regime geral aplicável à luz do Código dos Contratos Públicos.
As adjudicações que sejam feitas ao abrigo do regime excecional são comunicadas pelas entidades adjudicantes aos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pela respetiva área setorial e publicitadas no portal dos contratos públicos, assim se procurando garantir o cumprimento dos princípios da publicidade e transparência da contratação.
Mantém-se a obrigatoriedade de publicitação dos contratos celebrados, ao abrigo do regime excecional e na sequência de procedimento de ajuste direto, nos termos do n.º 1 do artigo 127.º do CCP.
A publicação não é, porém, condição de eficácia.
Sublinha-se ainda uma alteração muito relevante e que se prende com a possibilidade de haver adiantamentos por conta do preço contratual quando esteja em causa a garantia da disponibilização dos bens.
4 O Decreto-Lei n.º 10-A/2020 e a Lei n.º 1-A/2020 estabelecem um regime excecional no que respeita a fiscalização prévia do Tribunal de Contas?
Sim.
O Decreto-Lei n.º 10-A/2020 começou por explicitar e clarificar que os contratos que fossem celebrados por ajuste direto e no âmbito do regime excecional de contratação pública, para resposta à situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID 19, beneficiavam do regime que já hoje resulta do que dispõe o n.º 5 do artigo 45.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas.
Mais concretamente, o Decreto-Lei n.º 10-A/2020 tornou claro que estes contratos, mesmo que tivessem um valor superior a € 950.000,00, podiam produzir todos os seus efeitos antes do visto do Tribunal de Contas ou da declaração de conformidade, designadamente quanto aos pagamentos a que dessem causa, assim permitindo o inicio imediato da sua execução, sem que esta ficasse dependente de um ato do Tribunal de Contas.
Entretanto, a Lei n.º 1-A/2020 veio determinar que os contratos acima referidos ficam isentos da sujeição a visto prévio do Tribunal de Contas, ficando esta modalidade de controlo financeiro dispensada no que respeita aos contratos celebrados no âmbito do regime excecional previsto no Decreto-Lei n.º 10-A/2020.
No artigo 6.º, n.º 1, parte final da Lei n.º 1-A/2020 estabelece-se ainda que outros contratos celebrados pelos órgãos, organismos, serviços e demais entidades, incluindo o setor público empresarial, do Ministério da Saúde, da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P., do Hospital das Forças Armadas, do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos e do Instituto de Ação Social das Forças Armadas, I. P. também estão isentos de fiscalização prévia. Considerando o objeto da Lei
n.º 1-A/2020, deve considerar-se que estes outros contratos também terão de referir-se à resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID-19.
Estas entidades e os contratos acima referidos não deixam de ser objeto de controlo financeiro pelo Tribunal de Contas, no âmbito dos regimes de fiscalização concomitante e de fiscalização sucessiva.